A dependência das drogas está cada vez mais presente na vidas das pessoas nos dias de hoje, se nota que o uso, o abuso e mesmo o desenvolvimento da doença da dependência química acaba atingindo diretamente na vida da família e das pessoas que estão em torno do usuário ou dependente.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2017 afirmou que devido ao consumo de drogas morrem mais de 500 mil pessoas por ano.
Esse número assustador provoca grande angústia aos familiares que enfrentam diariamente o desafio de lidar com seus entes queridos consumindo substâncias psicoativas e vendo suas vidas sendo destruídas.
E no Brasil vemos nos últimos anos o número crescente de adolescentes e jovens iniciando cada vez mais cedo o consumo de algum tipo de substância ilícita, e cada vez com maior quantidade e diversidade.
Temos ainda uma grande deficiência na nossa cultura e na nossa educação que leva muitos adolescentes começarem o uso dessas substâncias, principalmente o uso de bebidas alcoólicas e a maconha.
Apesar de estudos mostrarem os riscos do consumo precoce de qualquer substância psicoativa, que pode provocar problemas no desenvolvimento dos adolescentes, no aspecto físico, neurológico e emocional, essa consciência se mostra inexistente perante aos comportamentos adotados pela nossa sociedade brasileira.
Como todo problema social, isso na sua grande parte é manifestado na sua base que é a constituição da pessoa como indivíduo singular, com direitos e deveres, com a possibilidade de escolhas e além de que, poder experimentar experiências de vida.
Mas essa formação advém da sua origem familiar e sua história pessoal.
A família é a grande responsável pela construção da identidade e personalidade dos indivíduos e pelas suas experiências iniciais de sociabilidade e de contato com novas situações.
Vivemos em um país que a política está voltada para poucos, que a educação não é vista como prioridade, como todas as outras necessidades que uma pessoa necessita para viver com dignidade, provocando cada vez mais a vulnerabilidade social, emocional e da saúde das pessoas.
Essa estrutura apresentada acima, demonstra como as drogas, o álcool, o tráfico, os bailes em comunidades são um caminho para novos adeptos ao desenvolvimento da dependência química.
Famílias fragilizadas por situações que geram riscos na formação de criança e adolescentes, entretanto não é somente isso, existe uma mudança de conceito dos valores que devem existir para a vivência das pessoas como seres capazes de gerenciar suas vidas.
Os valores familiares, religiosos e sociais estão cada vez mais sendo discutidos e por isso muitos pais que vem já de uma formação prejudicada pelos antepassados acabam replicando esse modelo aos seus filhos e assim ocorrendo uma multiplicação de rebentos que estão perdidos, sem saber quais caminhos devem seguir, ou melhor seguem caminhos que acreditam que estão certos, mas vistos de maneira errada.
Toda essa situação agrava o consumo de substâncias psicoativas e a busca infinita de prazer e de fuga da própria realidade.
É necessário auxiliar as pessoas que estão envolvidas a esse mecanismo e que sofrem com os filhos e filhas que são usuários de drogas, álcool, pois todos que estão em volta acabam sendo afetados e se tornem reféns dessa dinâmica de vida disfuncional.
Quem pode ajudar? Quem pode apoiar? Quem pode orientar como agir?
Essas são questões que atormentam diversos pais, mães, esposas, companheiros, tios e avós.
A velocidade que se tomou o consumo de diversas substâncias psicoativas não é a mesma velocidade que os profissionais tiveram para compreender, entender e saber ter uma postura clara, objetiva e assertiva, que pudesse auxiliar as famílias que passam por essas situações.
As formações acadêmicas na área da saúde, na sua grande maioria não possuem na sua grade curricular conteúdo que aborde o assunto da dependência química, ou transtornos psiquiátricos causados pelo consumo excessivo de drogas e álcool.
Inevitavelmente todos os profissionais não somente aos pertencentes à área da saúde, acabam se deparando diariamente em diversos atendimentos com essa realidade, por exemplo: um advogado que atende um caso de separação, a esposa que convive com um marido que é dependente de drogas; a mãe que precisa buscar recursos para tratamento do filho pois ele está provocando danos a própria vida e a terceiros e necessita de uma internação compulsória; a enfermeira que atendeu um caso de início de overdose em um plantão hospitalar, o médico que tem que operar às pressas um jovem por causa do acidente sofrido pelo mesmo, no qual estava totalmente drogado.
Triste essa realidade que muitos de nós ainda pensa que possa estar longe da nossa casa, e mais triste ainda saber que não está.
Tive uma dolorosa experiência de vida quando no ano de 2018 perdi um sobrinho que eu tive o prazer de conviver e ser criado com ele, mas perdeu sua vida por um comportamento imaturo, negligente de um jovem de 29 anos que estava embriagado e apostando um racha e causou uma tragédia.
Perdemos nosso amado e neste trágico momento também morreram sua namorada, a mãe dela e o irmão da mãe.
Quem está imune a ter uma experiência dessa? Ninguém!
Precisamos enxergar que estamos expostos a viver determinadas situações e que isso afeta muitas pessoas.
É necessário pensar em quem pode ajudar todas essas milhares de pessoas que estão sofrendo, sentindo muitas vezes perdidas, sem saber o que fazer.
Sim, somos responsáveis, todos os profissionais que de alguma maneira tenha contato com o outro, que tem a possibilidade de atender alguém que por algum motivo esteja usando drogas e álcool de maneira leve ou abusiva.
Não podemos fechar nossos olhos e alegar que isso não nos afeta, dizer que nada pode ser feito, talvez você nunca parou pra pensar que alguém bem próximo de você esteja passando por isso agora.
Ou em algumas situações você pode acabar fingindo que não tem nada a ver contigo isso, mesmo que você tenha contato com alguém na escola, no hospital, na rua, no fórum, no trabalho ou na igreja.
É, a droga é muito democrática ela não escolhe ninguém, e sobretudo, ela aceita todos que à procura, quero dizer, se a pessoa é negra, branca, pobre, rica, casada, solteira, formada, desempregada, nova, velha, não importa as drogas farão o seu papel de acolher e deixar presa à ela as necessidades que as pessoas buscam.
Temos ainda uma construção de formação acadêmica que tenta sempre sensibilizar as pessoas para as atuais circunstâncias, mas ainda é um grande desafio para as organizações educacionais.
Sou prova de que a formação acadêmica está distante em muitos pontos da realidade, durante toda a minha formação em nenhum momento tive uma aula específica sobre como lidar com um dependente químico.
Sei que os profissionais não têm a sorte que eu tive de muito cedo ir trabalhar em área de acompanhamento tão específica e delicada como da dependência química.
E quando um profissional tem esse tipo de contato na sua atuação, muitas vezes tem uma visão distorcida de como é de fato a história de alguém que usa drogas, alguns ainda carregam o preconceito sobre o uso das drogas, e que também existem muitos profissionais de diversas áreas que consomem drogas e mais impressionante muitos da própria área da saúde.
Quero me concentrar aqui em dizer que os profissionais que lidam com outras pessoas diariamente e estão expostas ao contato de lidarem com alguém que está usando e abusando de drogas ou álcool necessita de orientação, informação, e de treinamento para poderem agir com serenidade e muito mais do que isso, com assertividade.
Quanto vale a oportunidade de você poder ter uma ação com assertividade nessas situações, mas muito tempo que vimos no noticiário a triste reportagem que um segurança de shopping acabou matando um jovem de 19 anos enforcado por não saber agir com assertividade e por não compreender o que deveria ter feito naquele momento.
E aí, eu pergunto, quantos de nós profissionais estamos preparados para agir ou atender os casos de pessoas que estão vivendo através das drogas e estão destruindo suas vidas?
Será que você que acredita que nunca irá passar nem perto de um dependente pois isso não tem nada a ver contigo ou com sua profissão, ou até que seja da sua profissão, mas não escolherá trabalhar com a dependência química.
Durante mais de dezenove anos de trabalho com dependentes químicos e seus familiares o que eu percebo que existe muitos casos dependência, são muitos profissionais despreparados, não por culpa deles, muitos porque foram aprendendo na prática pois não tinham como ser de outra forma.
Mas existem muitos profissionais que não atuam no trabalho de acompanhamento da dependência pois se sentem despreparados e querem buscar conhecimento.
Acredito que é isso que seja necessário ser feito, buscar saber, olhar de maneira mais ampla para o desafio da dependência química.
Temos que ser profissionais compromissados com a vida daqueles que cuidamos, devemos ser responsáveis pelas ações e estar envolvidos profissionalmente na busca da melhora e da independência dos nossos atendidos.
A dependência química é um imenso mal, que a cada ano vem atingindo mais e mais pessoas, e por seguinte acaba atingindo cada vez mais famílias.
Essa triste história se repete na vida de milhares de brasileiros, que sofrem por ter algum ente querido que é usuário de drogas, isto é o que mostra o Levantamento Nacional de Famílias dos Dependentes Químicos (Lenad Família), feito pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp),
A pesquisa demonstra que o dependente químico afeta as atividades diárias e o psicológico dos familiares: 58% das famílias com algum usuário de drogas têm afetada a habilidade de trabalhar ou estudar.
E tem uma característica importante que 29% das pessoas estão pessimistas quanto ao seu futuro imediato e ainda 33% têm medo que seu parente beba ou se drogue até morrer, e muitos relatam que sofreram ameaças do familiar usuário ou mesmo que já se encontra dependente.
O estudo ainda destacou o número alarmante de que ao menos 28 milhões de pessoas no Brasil têm na sua família um dependente de múltiplas drogas.
Os dados que foram levantados pela pesquisa durante o período de junho de 2012 à julho 2013, através de um questionário com 115 perguntas foram levantados entre junho de 2012 e julho de 2013.
Um questionário com 115 perguntas, que foi respondido por 3.142 famílias em 23 capitais brasileiras.
Deve-se destacar ainda que, esse estudo foi o primeiro realizado em âmbito nacional que é focado nas famílias de dependentes químicos.
Com essa assustadora constatação feita através desta pesquisa de como as famílias vivem um drama diário em seus lares, a pesquisa demonstrou ainda que, os familiares demoram em média de três a quatro anos para buscar ajudar ao seus entes queridos, um tempo crucial para o desenvolvimento da dependência química, tempo esse que poderia ser diminuído com mais profissionais treinados e com conhecimento sobre a dependência das drogas.
Quando um familiar buscar ajuda aos pontos de atendimentos à saúde, ou por mais incrível que pareça em situações que não sejam diretamente na saúde, ele está com muita vergonha, culpa, e sente que são responsáveis por tudo que está acontecendo, se tornam frágeis em lidar com a dependência de seu ente querido.
O profissional precisa ter empatia, mas sobretudo, ter conhecimento que possa nesse momento ser acolhedor, dar as devidas orientações, e passar as informações para que a pessoa tenha suporte e se sinta fortalecida para lidar com situações apresentadas dos comportamentos inadequados do dependente de drogas e álcool.
Quero convidar a você pensar mais amplamente no atendimento dos dependentes químicos, aos profissionais da educação, da saúde, do serviço social, dos terapeutas, do direito, do esporte e todos que de maneira honrada fazem trabalhos voluntários no apoio ao dependentes químicos e seus familiares, buscarem conhecimento.
De como, a dependência química provoca mudanças na vida das famílias, dos ambientes comunitários, da sociedade, enfim de todo o nosso país.
É necessário saber que o conhecimento nunca se acumula e sim acrescenta na nossa vida, nos tornando pessoas com grande repertório de estratégias profissionais e também pessoais.
Com minha experiência da vivência prática da recuperação de dependentes químicos e na orientação de suas famílias, quero poder compartilhar não somente dessa preocupação mas também dos meus conhecimentos e aprendizados com as demais pessoas.
André Nunes
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